“Calibã e a bruxa” por Silvia Federici: 14 frases reveladoras

Se eu pedir para você me falar de algum genocídio que tenha ocorrido na história, aposto que a Caça às bruxas não passou nem perto pela sua cabeça. Pois esse foi “um dos acontecimentos mais importantes da sociedade capitalista” segundo Silvia Federici no seu livro “Calibã e a bruxa”.

Essa obra traz diversos dados e fatos históricos sobre a Caça às bruxas, incluindo todo o contexto da passagem para o capitalismo e alguns fatores que levaram às desigualdades enfrentadas pelas mulheres até hoje.

Então separei aqui frases dessde livro de Silvia Federici que narram um pouco sobre os argumentos usados pela autora.

O que era considerado bruxa

Trechos doCapítulo 4 – A grande caça às bruxas na Europa

A bruxa era também a mulher rebelde que respondia, discutia, insultava e não chorava sob tortura. Aqui, a expressão “rebelde” não se refere necessariamente a nenhuma atividade subversiva específica em que possa estar envolvida uma mulher. Pelo contrário, descreve a personalidade feminina que se havia desenvolvido, especialmente entre o campesinato, no contexto da luta contra o poder feudal, quando as mulheres atuaram à frente dos movimentos heréticos, muitas vezes organizadas em associações femininas, apresentando um desafio crescente à autoridade masculina e à Igreja.

“Também sabemos que muitas bruxas eram parteiras ou “mulheres sábias”, tradicionalmente depositárias do conhecimento e do controle reprodutivo feminino (Midelfort, 1972, p. 172).”

“Podemos imaginar o efeito que teve nas mulheres o fato de ver suas vizinhas, suas amigas e suas parentes ardendo na fogueira, enquanto percebiam que qualquer iniciativa contraceptiva de sua parte poderia ser interpretada como produto de uma perversão demoníaca.”

“Os julgamentos por bruxaria fornecem uma lista informativa das formas de sexualidade que estavam proibidas, uma vez que eram “não produtivas”: a homossexualidade, o sexo entre jovens e velhos, o sexo entre pessoas de classes diferentes, o coito anal, o coito por trás (acreditava-se que levava a relações estéreis), a nudez e as danças.”

“Há também, no plano ideológico, uma estreita correspondência entre a imagem degradada da mulher, forjada pelos demonólogos, e a imagem da feminilidade construída pelos debates da época sobre a “natureza dos sexos”, que canonizavam uma mulher estereotipada, fraca do corpo e da mente e biologicamente inclinada ao mal, o que efetivamente servia para justificar o controle masculino sobre as mulheres e a nova ordem patriarcal.”

A relação do capitalismo com a Caça às bruxas

“Neste ponto, quero reforçar que, contrariamente à visão propagada pelo Iluminismo, a caça às bruxas não foi o último suspiro de um mundo feudal agonizante. É bem consagrado que a “supersticiosa” Idade Média não perseguiu nenhum bruxa – o próprio conceito de “bruxaria” não tomou forma até a Baixa Idade Média, e nunca houve julgamentos e execuções massivas durante a “Idade das Trevas”, apesar de a magia ter impregnado a vida cotidiana e, desde o Império Romano tardio, ter sido temida pela classe dominante como ferramenta de insubordinação entre os escravos.”

“A caça às bruxas alcançou seu ápice entre 1580 e 1630, ou seja, numa época em que as relações feudais já estavam dando lugar às instituições econômicas e políticas típicas do capitalismo mercantil.”

“…, o capitalismo criou formas de escravidão mais brutais e mais traiçoeiras, na medida em que implantou no corpo do proletariado divisões profundas que servem para intensificar e para ocultar a exploração. É em grande medida por causa dessas imposições – especialmente a divisão entre homens e mulheres – que a acumulação capitalista continua devastando a vida em todos os cantos do planeta.”

“Nessa linha, Calibã e a bruxa mostra que, na sociedade capitalista, o corpo é para as mulheres o que a fábrica é para os homens trabalhadores assalariados: o principal terreno de sua exploração e resistência, na mesma medida em que o corpo feminino foi apropriado pelo Estado e pelos homens, forçado a funcionar como um meio para a reprodução e a acumulação de trabalho. Neste sentido, é bem merecida a importância que adquiriu o corpo, em todos os seus aspectos – maternidade, parto, sexualidade -, tanto dentro da teoria feminista quanto na história das mulheres.”

“Assim como atualmente, ao reprimir as mulheres, as classes dominantes reprimiam de forma ainda mais eficaz o proletariado como um todo. Instigavam os homens que foram expropriados, empobrecidos e criminalizados a culpar a bruxa castradora pela sua desgraça e a enxergar o poder que as mulheres tinham ganhado contra as autoridades como um poder que as mulheres utilizariam contra eles. Todos os medos profundamente arraigados que os homens nutriam em relação às mulheres (principalmente devido à propaganda misógina da Igreja) foram mobilizados nesse contexto. As mulheres não só foram acusadas de tornar os homens impotentes, mas também sua sexualidade foi transformada num objeto de temor, uma força perigosa, demoníaca, pois se ensinava aos homens que uma bruxa podia escravizá-los e acorrentá-los segundo sua vontade (Kors e Peters, 1972, pp.130-2).”

Como viabilizaram esse extermínio massivamente

Frases do Capítulo 4 – A grande caça às bruxas na Europa

Os mecanismos da perseguição confirmam que a caça às bruxas não foi um processo espontâneo, “um movimento vindo de baixo, ao qual as classes governantes e administrativas estavam obrigadas a responder” (Larner, 1983, p.1). Como Christina Larner demonstrou no caso da Escócia, a caça às bruxas requeria uma vasta organização e administração oficial. Antes que os vizinhos se acusassem entre si ou que comunidades inteiras fossem presas do “pânico”, teve lugar um firme doutrinamento, no qual as autoridades expressaram publicamente sua preocupação com a propagação das bruxas e viajaram de aldeia em aldeia para ensinar as pessoas a reconhecê-las, em alguns casos levando consigo listas de mulheres suspeitas de serem bruxas e ameaçando castigas aqueles que as dessem asilo ou lhes oferecessem ajuda. (Larner, 1983, p.2)

A Igreja Católica forneceu o arcabouço metafísico e ideológico para a caça às bruxas e estimulou sua perseguição, da mesma forma que anteriormente havia estimulado a perseguição aos hereges. Sem a Inquisição, sem as numerosas bulas papais que exortavam as autoridades seculares a procurar e castigar as “bruxas” e, sobretudo, sem os séculos de campanhas misóginas da Igreja contra as mulheres, a caça às bruxas não teria sido possível.

Além disso, a Inquisição sempre dependeu da cooperação do Estado para levar adiante as execuções, já que o clero queria evitar a vergonha do derramamento de sangue. A colaboração entre a Igreja e o Estado foi ainda maior nas regiões em que a Reforma levou o Estado a se tornar a Igreja (como na Inglaterra) ou a Igreja a se tornar Estado (como em Genebra e, em menor grau, na Escócia).

O início da desvalorização do trabalho feito por mulheres

Frases doCapítulo 2 – A acumulação do trabalho e a degradação das mulheres

“Com o desaparecimento da economia de subsistência que havia predominado na Europa pré-capitalista, a unidade entre produção e reprodução, típica de todas as sociedades baseadas na produção-para-o-uso, chegou ao fim conforme essas atividades foram se tornando portadoras de outras relações sociais e era sexualmente diferenciadas. No novo regime monetário, somente a produção-para-o-mercado estava definida como atividade criadora de valor, enquanto a reprodução do trabalhador começou a ser considerada como algo sem valor do ponto de vista econômico e, inclusive, deixou de ser considerada trabalho. O trabalho reprodutivo continuou sendo pago – embora em valores inferiores – quando era realizado para os senhores ou fora do lar. No entanto, a importância econômica da reprodução da força de trabalho realizada no âmbito doméstico e sua função na acumulação do capital se tornaram invisíveis, sendo mistificadas como uma vocação natural e designadas como “trabalho de mulheres”.

“Assim, se uma mulher costurava algumas roupas, tratava-se de “trabalho doméstico” ou de “tarefa de dona de casa”, mesmo se as roupas não eram para a família, enquanto, quando um homem fazia o mesmo trabalho, se considerava como “produtivo”. A desvalorização do trabalho feminino era tal que os governos das cidades ordenaram às guildas que ignorassem a produção que as mulheres (especialmente as viúvas) realizavam em suas casas, por não se tratar realmente de trabalho, e porque as mulheres precisavam dessa produção para não depender da assistência pública.”

O fim da Caça às bruxas

“Nem o racionalismo nem o mecanicismo foram, portanto, a causa imediata das perseguições, embora tenham contribuído para criar um mundo comprometido com a exploração da natureza. Mais importante, o principal fator de incentivo à caça às bruxas foi o fato de que as elites europeias precisavam erradicar todo um modo de existência que no final da Baixa Idade Média ameaçava seu poder político e econômico. Quando esta tarefa foi cumprida por completo – no momento em que a disciplina social foi restaurada e a classe dominante consolidou sua hegemonia -, os julgamentos de bruxas cessaram. A crença na bruxaria pôde inclusive se tornar algo ridículo, desprezada como superstição e apagada rapidamente da memória.”

Capítulo 4 – A grande caça às bruxas na Europa
livro Calibã e a bruxa de Silvia Federici

Essas são só algumas poucas frases do livro de Silvia Federici que eu espero que tenham despertado uma curiosidade para ler a obra inteira.

Garanto que você terá um novo olhar sobre a Caça às bruxas e como isso se relaciona tão intimamente com questões atuais.

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